terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Obra comtemplada com prêmio Mais Cultura de Literatura de Cordel 2010 Edição Patativa do Assaré do Ministério da Cultura


Os três fios de cabelo de ouro do diabo
Josué G. Araujo - Editora Luzeiro


Em um tempo muito antigo, o nascimento de uma criança empelicada causa estremecimentos no pequeno vilarejo onde vivem seus pais. Uns dizem que é maldição, outros que é mau augúrio. Uma sábia feiticeira lhe profetiza bonança e realeza. O Imperador, receoso de perder seu trono, adota um plano de crueldade e morte. Mas o destino está traçado...


Todo e qualquer egoísmo
É irmão da ambição,
Que é irmã da inveja,
Madrasta da presunção,
Com isso o homem se acha
O Senhor da Criação.

Alegre, por não ser Deus,
O nosso Pai Soberano,
Peço aos céus, inspiração
Para tratar de um profano
E de um dos grandes pecados
Que persegue o ser humano.

Sob o teto de um casebre,
Nasceu um menino forte.
Por conta de seu aspecto
Julgaram trazer má sorte,
Mau agouro, bruxaria
Ou o cutelo da morte.

Acontece que a criança
Veio ao mundo empelicada.
O pai vestiu-se de susto,
A mãe ficou alarmada.
Julgaram que aquele filho
Teria vida azarada.

...

— Um bebê empelicado —
Refletiu a cartomante —
É sinal de boa sorte.
Apesar de alarmante,
Digo que esse sortudo
Será grande governante!

De criança a adolescente,
O jovem traz porte belo,
Mas a cisma do destino
Já lhe prepara um cutelo:
As águas do rio da morte
Abalarão seu castelo.

Mas isso já é o fim...
Vamos voltar ao começo
Porque história se conta
Do início, sem tropeço.
Por isso peço que leiam
Todo o caso com apreço.

...

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011


ANIVERSÁRIODA CARAVANA DO CORDEL

10 DE DEZEMBRO – SÁBADO, DAS 15h30 ÀS 19h.

LOCAL: BIBLIOTECA LATINO-AMERICANA

MEMORIALDA AMÉRICA LATINA

PORTÃO 5 – ACESSO PELA PASSARELA – METRÔ BARRA FUNDA

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Luzeiro lança novo folheto de Cordel de Josué Gonçalves de Araujo

Apagando as Pegadas

As convenções sociais separam
Jose Mário e Lucineide. Meio século depois o forasteiro retorna a sua terra
atrás do que perdera na longínqua distância. Na busca do seu passado encontra
um presente que jamais imaginou. O tempo é senhor da história que reserva
surpresas incríveis. O que terá acontecido com eles?




Numa tarde nebulosa
De melancólico inverno,
Um ônibus enlameado,
Como se viesse do inferno,
Atravessa um nevoeiro,
Trazendo um homem de terno.

Enfim, Areia dourada!
Defronte a rodoviária,
A viagem então se finda.
A figura solitária,
Faz uma cara de dor,
Por culpa da coronária.

O passageiro que apeia
É um homem já idoso,
Com o terno amarrotado.
Negro de porte garboso,
Andava sob a neblina,
Com o passo cauteloso.

...

Desse cenário remoto,
Volta os olhos ao presente,
Mas em outra dimensão,
Ao tempo indiferente.
Forasteiro é sempre aquele
Que passa a vida ausente.

...

Contato:Autor: josuecordel@hotmail.com
Cel.: (11) 7421-8940
Editora Luzeiro Ltda
Fone: (11) 5585-1800
e-mail: vendas@editoraluzeiro.com.br

quarta-feira, 18 de maio de 2011

Literatura de Cordel, Literatura Brasileira



APROPUC-SP 10.03.09
Aderaldo Luciano


1. Uma literatura da terra

A Literatura de Cordel, vista muitas vezes, ou quase sempre, como arte de segunda categoria, pela sua origem sócio-racial, é fenômeno ímpar. Afirma Joseph M. Luyten:

Ao contrário de outros países, como México e Argentina, onde esse tipo de produção literária é normalmente aceita e incluída nos estudos oficiais de literatura - por isso poemas como "La cucaracha" são cantados no mundo inteiro e o herói de cordel argentino, Martin Fierro, se tornou símbolo da nacionalidade platina - as vertentes brasileiras passaram por um longo período de desconhecimento e desprezo, devido a problemas históricos locais, como a introdução tardia da Imprensa no Brasil (o último país das Américas a dispor de uma imprensa), e a excessiva imitação de modelos estrangeiros pela intelectualidade (Luyten apud Vicente, 2000, prefácio).

Acrescentamos à observação do Dr. Luyten o aspecto preconceituoso com que as elites acadêmicas brasileiras olharam para a produção poética popular. De fato, nossos compêndios e manuais de história da literatura brasileira, incluindo-se livros didáticos destinados ao ensino fundamental e médio, desviam-se da Literatura de Cordel como o diabo da cruz, utilizando o termo "popular". Qualquer citação virá eivada de caráter exótico, nunca com apuro crítico. Como experiência, procuremos o verbete Literatura de Cordel na Enciclopédia de Literatura Brasileira, de Afrânio Coutinho e J. Galante de Souza. Encontraremos menção a dois ou três títulos de ensaios sobre o tema, mas nada sobre ela mesma. O verbete veio na letra C, "Cordel, literatura de". Esse verbete repete o Dicionário do Folclore Brasileiro, de Câmara Cascudo, ao mesmo tempo em que a associa à memória dos cantadores e vates populares, seus transmissores orais. Para depois passar à classificação dos temas versados, citando Franklin Maxado:

... folhetos de época, de ocasião, históricos, didáticos ou educativos, biográficos, de propaganda política ou comercial, de louvor ou homenagem, de safadeza... (Cascudo, 2002: 527)

E são arrolados uma infinidade de temas. Chama-nos a atenção o fato primeiro de o verbete não vir na letra L de literatura, mostrando-se excludente. Por que apresentá-la como Cordel? Será porque não é aceita como literatura?
Quando situa a literatura de cordel como versão escrita da oralidade poética dos cantadores, é, no mínimo, omissa, a Enciclopédia, chegando ao risível. Ora, toda a literatura universal não é herança da oralidade? A escrita não é fruto secundário da linguagem? Por que, então, observar isso como característica da literatura de cordel?
E no que diz respeito ao tema: toda a literatura não trata dos mesmos temas? Para quê uma listagem de temas, se a produção literária é fruto da observação social e da vivência particular de cada autor? Para mostrar, exoticamente, que, apesar de o autor popular ser um homem simples, preocupou-se com temas os mais diversos, como se estivesse descobrindo o mundo e seus semelhantes, emergindo das trevas profundas da ignorância?
Todas as literaturas nacionais têm a sua formação no conjunto de lendas e histórias contadas pelo seu povo, repassadas oralmente. A literatura grega funda-se sobre as narrativas homéricas. A teoria e a crítica literária tiveram sua gênese com as normatizações apresentadas por Aristóteles sobre esse corpus. Tomando, ainda, a literatura grega como arrimo, seus temas não passaram pelos mesmos da literatura de cordel? Não houve uma poesia didática com Hesíodo? E romances de amor e aventura com Xenofonte de Éfeso e Aquiles Tácio?
Poderíamos nos alongar sobre exemplos da literatura alemã com A canção dos Niebelungos; da francesa, com A canção de Rolando; da espanhola, com O cantar do meu Cid, ou ainda mencionar as baladas dinamarquesas do século XVII para sustentar o raciocínio sobre a formação das literaturas com gênese na oralidade como processo natural.
Tratávamos, em parágrafo anterior, da presença da literatura de cordel nos estudos sobre literatura brasileira. Aliás, tratávamos da ausência. Nenhum dos nossos reconhecidos estudiosos reserva-lhe lugar em suas obras principais. Sabendo-se que Leandro Gomes de Barros foi o primeiro a publicar seus folhetos e editá-los sistematicamente, não lhe é devida nenhuma citação em Formação da Literatura Brasileira: momentos decisivos, de Antonio Candido, nem em A Literatura Brasileira, de José Aderaldo Castelo, tampouco na História Concisa da Literatura Brasileira, de Alfredo Bosi. Dá-se o mesmo em Ronald Carvalho, Nelson Werneck Sodré e José Veríssimo. Sílvio Romero, embora não o cite, nem poderia, visto não terem sido contemporâneos, em sua História da Literatura Brasileira trata das tradições populares, referindo-se ao seu volume dedicado a estudos sobre poesia popular no Brasil.
Quanto aos livros didáticos, o que se apresenta é uma periodização das Épocas Literárias desde Portugal. Mesmo atribuindo valor ao trovadorismo português, ao cancioneiro de Garcia de Resende, às cantigas de Martim Codax e D. Dinis, ou Joan Airas de Santiago, escritos primevos, nada sobre Literatura de Cordel. É como se esse fenômeno não tivesse acontecido. Deve-se ao trabalho de pesquisadores particulares, paladinos e quixotes, a tentativa de integração e enquadramento dessa literatura no todo literário brasileiro, exemplo seguido por algumas instituições, como a Casa de Rui Barbosa, no Rio de Janeiro, e Fundação Joaquim Nabuco, em Recife, Pernambuco, citando as mais conhecidas.
Que essas observações sejam feitas não como meta de nosso pequeno roteiro de estudos. Sejam, sim, uma marca a ser observada em nosso rumo. A constatação de como um produto tão rico e importante na construção de uma nação, a nação identitária dos nordestinos e a brasileira por extensão, por motivos os mais diversos, é esquecido do que Ariano Suassuna, citando Machado de Assis, diz ser o Brasil Oficial.
Arnaldo Xavier, no artigo O Maior Poeta que Deus Crioulo (Xavier, in www.muse.jhu.edu/demo/cal/18.4xavier_p.html), diz que a Literatura de Cordel "... é uma forma única de comunicação que mistura poesia, humor e epopéia." Essa compreensão acrescenta uma qualidade que pode inserir definitivamente essa forma de produção literária naquele todo brasileiro já citado. A característica épica.
As aproximações de Ariano Suassuna, vide o Auto da Compadecida, cujos heróis João Grilo e Chicó são crias confessas da Literatura de Cordel, e de João Cabral de Melo Neto, em Morte e Vida Severina, com seu Severino retirante, dão bem a dimensão do poder transformador do cordel.
Esse poder torna-se ainda mais observável quando propomos fazer uma aproximação com a épica clássica. Para vários autores, a literatura brasileira inicia com a Prosopopéia, de Bento Teixeira (1601), marco, também, do Barroco brasileiro. O poema épico traduz-se como uma imitação capenga de Camões, além de ser uma peça encomiástica que de literatura pouca coisa possui. No dizer de Anazildo Vasconcelos da Silva: "A importância da Prosopopéia está em ser a primeira obra, na ordem natural, a fazer a sintonia histórico-cultural do Brasil com o mundo" (Silva, 1987: 26).
Essa obra, detendo valor histórico-cultural, sobrepõe-se a toda produção do cordel, levada a cabo numa terra sobre a qual apenas os infinitamente mais fortes se fixam. Entre o valor literário da Prosopopéia e o valor literário da produção do cordel, quem estaria mais próximo do épico? O imitador de Camões ou o autêntico cancioneiro nordestino? Apresentar respostas com mais perguntas é, agora, o mais sensato. Que foi feito de Sousândrade? O Guesa foi esquecido, deixado à sombra, para só há pouco ser definitivamente incorporado ao Cânone da literatura brasileira. Mas, o que é o Cânone literário brasileiro? Certa vez, Olavo Bilac riu sobre os versos de Augusto dos Anjos, aquele caso singular da literatura brasileira. Comentando o título de Príncipe dos Poetas obtido, em votação, por Bilac, diz Carlos Drummond de Andrade:

Em 1913, certamente mal informados, 39 escritores, num total de 173, elegeram por maioria relativa Olavo Bilac príncipe dos poetas brasileiros. Atribuo a má informação porque o título, a ser concebido, só poderia caber a Leandro Gomes de Barros, nome desconhecido no Rio de Janeiro, local da eleição promovida pela revista FON-FON, mas vastamente popular no Nordeste do país, onde suas obras alcançaram divulgação jamais sonhada pelo autor de "Ouvir Estrelas" (Drummond de Andrade apud Barros, 2002: 18).

Dito isso, discorre sobre diferenças entre os dois poetas:

Um é poeta erudito, produto da cultura urbana e burguesia média; o outro, planta sertaneja vicejando à margem do cangaço, da seca e da pobreza.

Arrematando:

Aquele tinha livros admirados nas rodas sociais, e os salões o recebiam com flores. Este, espalhava seus versos em folhetos de cordel, de papel ordinário, com xilogravuras toscas, vendidos nas feiras a um público de alpercatas ou de pé no chão.

Fecha dizendo sobre Leandro:
... Não foi príncipe de poetas do asfalto, mas foi, no julgamento do povo, rei da poesia do sertão e do Brasil em estado puro.

Volta a pergunta para reflexão: o que é o nosso cânone literário e quem o elege?
Adiantemo-nos. O nosso primeiro poeta genuíno foi Gregório de Mattos, que popularizou a poesia na Bahia. Por longos anos, suas peças satíricas foram relegadas ao limbo, ao umbral, detrectadas, enquanto sua produção religiosa e lírica era estudada em longos serões e conferências. Mas, essa produção esbarra nos apócrifos e apógrafos reproduzidos em folhas soltas pelas esquinas da cidade de Salvador, o que lhes confere um caráter duvidoso. E isso não ofusca a pena do Boca do Inferno. O Boca de Brasa é poeta e, assim como Abraão, aquele patriarca hebreu, pai de dois filhos: Isaac, representando os escolhidos, o cânone, com uma seqüência que vai dos árcades aos concretistas e à vanguarda pós-moderna atual, e Ismael, representando os banidos, abrangendo todo um arsenal de poetas populares, desde Leandro Gomes de Barros até Azulão, despachando versos na Feira de São Cristóvão, no Rio de Janeiro.

2. Cordel e épica

Ao tomar a Prosopopéia, de Bento Teixeira, para o trabalho de comparação sobre épica, quisemos lançar olhares para essa característica da literatura de cordel. Durante seus primeiros tempos, a literatura brasileira, como toda e qualquer literatura colonial, foi a sombra da metrópole, da Europa. A literatura de cordel, também em formação, aproveitou-se de temas europeus. Daí porque as histórias de cavalaria e bravura irrigaram nossos folhetos. Citar uma ou outra, fazer levantamentos e catalogações seria redundante em nosso contexto, visto que outros já o fizeram com maior acuidade. E mesmo, é o óbvio. O certo é que, assim como o todo literário brasileiro, buscava-se uma identidade. Havia a forma, o conteúdo era ainda difuso. O encontro da literatura de cordel com o cangaço nordestino foi como o estabelecimento do caminho a ser seguido. O assunto, gerado a partir de problemas sócio-econômicos -e culturais, transformou-se no ponto decisivo da criação de uma identidade literária. O ciclo épico dos cangaceiros na literatura de cordel é o marco divisório. O Nordeste começou a falar de si e a buscar seus heróis, encontrando nos cangaceiros seus representantes na luta contra a injustiça social. Observa Mark Curran:

No cordel, o cangaceiro é o herói por excelência, misto de bandido, criminoso e lutador pela justiça no sertão nordestino. Nas obras cordelianas contemporâneas, é visto como o tipo heróico legítimo, maior do que a vida, verdadeiro "cavaleiro do sertão", com as cintas repletas de balas, o rifle "papo-amarelo", o revólver e o facão. É conhecido pelos epítetos: Rei do Cangaço, Rei do Sertão, Terror do Nordeste, Rifle de Ouro, Leão do Norte, Mestre da Morte e, no caso do célebre Lampião, Galo Cego (Curran 2001: 61).

Reiteramos que esse encontro ofereceu à literatura de cordel o seu herói. Franklin Távora, em 1876, apresentava, sob o nome de Literatura do Norte, um volume, um romance histórico, cujo herói era um desses: o Cabeleira. Um precursor, talvez. Távora afirma que

... o protagonista da presente narrativa, o qual se celebrizou na carreira do crime, menos por maldade natural, do que pela crassa ignorância... Autorizavam-nos a formar este juízo do Cabeleira a tradição oral, os versos dos trovadores e algumas linhas da história que trouxeram seu nome aos nossos dias envolto em uma grande lição (Távora, 1973: 31).

O apelo popular e seus versos, ao que parece, já tentavam construir uma identidade, pautada na ausência de justiça. Como nos revela o Major Optato Gueiros, da Polícia de Pernambuco, oficial responsável por combater e perseguir cangaceiros: "Dentre as causas propulsoras da evolução do banditismo, não resta a menor dúvida, que figura em primeiro plano a injustiça" (Luna, 1972: 23).
E como salienta Luis da Câmara Cascudo:

O sertanejo não admira o criminoso, mas o homem valente (...) Para que a valentia justifique ainda melhor a aura popular na poética é preciso a existência do fator moral. Todos os cangaceiros são dados inicialmente como vítimas da injustiça. Seus pais foram mortos e a justiça não puniu os responsáveis. A não-existência desse elemento arreda da popularidade o nome do valente. Seria um criminoso sem simpatia.
O sertão indistingue o cangaceiro do homem valente (Cascudo, 1984: 160-61).

Ou mesmo a revolta de Zé da Luz:

Na Capitá Federá,
Tenho visto brasilêro
Dizê que o sertão só dá
Assarcino e cangacêro!

Cangacêro e assarcino!...
- O qui faltou no sertão
Foi livro prá Antonho Silvino,
Justiça prá Lampião! (Luz, s/d: 1949)

Claro que o nosso trabalho não quer justificar o cangaço, tampouco estudá-lo em minúcia, mas tão-somente situá-lo, numa preparação ao encontro com aquele que marcará definitivamente a história da Literatura de Cordel e do Nordeste, tornando-se um ícone indelével.
Desde aquele Cabeleira, outros foram se destacando neste tipo de empreitada: a formação do cangaço. Luis Luna apresenta-nos um rosário de cangaceiros:

Zé Pereira, Antonio Silvino, Casemiro Honório, os irmãos Porcino, Antonio Quelé, os chefes mais importantes do cangaço... Essa chuva caiu quando Virgulino Ferreira da Silva mal entrava na adolescência, aos 17 anos de idade (Luna, 1972: 24-25).

Leandro Gomes de Barros dedicou boa parte de seus folhetos ao cangaceiro Antonio Silvino. Certamente, se tivesse sido contemporâneo de Lampião, a produção cordeliana sobre o Rei do Cangaço teria triplicado sua importância.
Abramos um pequeno espaço para uma indicação, pela qual acreditamos poder desfazer um equívoco. Muitos estudiosos confundem a poesia dos cantadores repentistas nordestinos com a Literatura de Cordel. É certo que sejam irmãs. E como todos os irmãos, sejam, também, diferentes. Os poetas cordelistas raramente são repentistas ou glosadores. São poetas da letra, conhecidos como poetas de bancada, sofrendo inclusive algum preconceito por parte daqueles. O repente é obra de momento, é construção oral cuja maior característica é ser efêmero, fruto do improviso. Por isso são famosos os desafios e pelejas, nos quais dois cantadores se debatem em criações e trava-línguas, em perguntas e respostas. O Cego Aderaldo gabava-se de nunca ter repetido um verso. Nenhum cantador que se preze escreverá seus versos para depois os decorar, cantando-os memorizados. Cantar com versos decorados é uma desfeita, uma aberração causadora de constrangimentos e agressões. O verso cordeliano, ao contrário, é fruto do trabalho, da elaboração. É o mesmo trabalho beneditino da Profissão de Fé de Olavo Bilac (Bilac, 1940: 5-10).
Os equívocos e maus olhares com que a Literatura de Cordel foi observada por muito tempo precisam urgentemente de revisão. Se, para Antonio Candido, a existência de uma "literatura propriamente dita" requer alguns denominadores:

... a existência de um conjunto de produtores literários, mais ou menos conscientes do seu papel; um conjunto de receptores, formando os diferentes tipos de público, sem os quais a obra não vive; um mecanismo transmissor, (de modo geral, uma linguagem, traduzida em estilos), que liga uns a outros. O conjunto dos três elementos dá lugar a um tipo de comunicação inter-humana, a literatura, que aparece sob este ângulo como sistema simbólico, por meio do qual as veleidades mais profundas do indivíduo se transformam em elementos de contacto entre os homens, e de interpretação das diferentes esferas da realidade (Candido, 1997: 23).

A produção cordeliana cumpre os pressupostos. É literatura. E mais: pela importância superior na construção identitária de um povo, não pode mais ficar de fora dos estudos sobre formação da literatura brasileira, nem ser um mero artigo, parente do artesanato. Repetimos Sílvio Romero:

Se vocês querem poesia, mas poesia de verdade, entrem no povo (...)
Poesia é no povo. Poesia para mim é água em que se refresca a alma e esses versinhos que por aí andam, muito medidos, podem ser água, mas de chafariz, para banhos mornos em bacia, com sabonete inglês e esponja. Eu, para mim, quero águas fartas - rio que corra ou mar que estronde. Bacia é para gente mimosa e eu sou caboclo, filho da natureza, criado ao sol (Romero apud Mota, 1987: 25).

3. Finalmentes

As invasões e descobrimentos foram revelando epopéias nacionais pelo mundo: o Mahabarata, na Índia; a saga de Átila e Os Nibelungos germânicos; os Edda nórdicos. O descobrimento português sepultou nossas epopéias. Não as cantamos, pois não as conhecemos. O surgimento da literatura de cordel, todavia, ofereceu-nos uma segunda chance. Os temas cantados por ela, em seus princípios, eram temas ibéricos. Versões populares para os poemas épicos franceses e espanhóis. Mas essa mesma busca de identidade, que moveu escritores cultos, levou-a a cantar (ou contar) fatos sociais recentes, transformando-se numa espécie de imprensa sertaneja. Foi o período de estabelecimento de seus alicerces formais.
Um trabalho que pense a relação entre as epopéias nacionais e a Literatura de Cordel seria o fruto dessa breve conclusão. Ao propormos um olhar mais aguçado e menos preconceituoso para o cordel nordestino, referimo-nos ao fato de que todas as tentativas de escrever uma epopéia nacional tenham sido, de certa forma, ou de forma certa, infrutíferas. Enquanto isso, com toda sua fragilidade, de base popular, sofrendo perseguições e sendo ignorada, a Literatura de Cordel resistiu, fundou sua própria poética, consagrou poetas, penetrou em todas as camadas sociais, influenciou escritores e estudiosos, transformou-se num símbolo, ícone, índice, signo e sinal de uma Nação e, ao encontrar a matéria épica dos cangaceiros, em particular o épico maior, Lampião, estabeleceu-se definitivamente como veículo portador de nossa verdadeira identidade. Literatura de cordel como tal, só acontece no Brasil. Perguntamos, em última instância: Quando exumaremos os nossos mortos para dar-lhes destinos decentes? Servir-nos-ia a voz do último cantor épico Marcus Accioly (Accioly, 2001: 101):

Ah pudesse eu cantar os teus heróis
(uns poucos que conheço em meu país)
os de rifles lixados pelos sóis
(de alpercatas-de-sola sem verniz
sobre o couro curtido) os dos aiós
da vida (há trinta anos por um triz
da morte) e cartucheiras de cangaço
em cruz no peito (as tais cangas-de-aço)

vivendo cada dia o mesmo risco
de cada noite (o tempo com um baralho
cortado ao meio em lances de perigo)
ó tarô da existência (ó jogo falho)
ah pudesse eu cantar Lusbel-Corisco
(Diabo-Louro) "uns sapatos do caralho"
(como diria Márquez) Lampião
com seu olho (à Camões) vendo o Sertão

(sim) pudesse em cordel cantar (...)
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Bibliografia
ACCIOLY, Marcus. Nordestinados. 3 ed. Rio de Janeiro: José Olympio; Recife: FUNDARPE, 1986.
__________. Latinoamérica. Rio de Janeiro: Topbooks/Biblioteca Nacional, 2001.
BARROS, Leandro Gomes. No reino da poesia sertaneja. Org. Irani Medeiros. João Pessoa: Idéia, 2002. (Boi Misterioso)
CANDIDO, Antonio. Formação da literatura brasileira: momentos decisivos. Vol. 1. 8 ed. Belo Horizonte: Itatiaia, 1997. (Reconquista do Brasil, 2ª série, V. 177)
CARVALHO, Ronald. Pequena história da literatura brasileira. 13 ed. Belo Horizonte: Itatiaia; Brasília: INL, Fundação Nacional Pró-Memória, 1984. (Biblioteca brasileira de literatura, V. 4)
CASTELO, José Aderaldo. A literatura brasileira: origens e unidade. Vol. 1. São Paulo: EDUSP, 1999.
CASCUDO, Luís da Câmara. Vaqueiros e cantadores. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: EDUSP, 1984. (Reconquista do Brasil, nova série, V. 81)
__________. Cantadores. 6 ed. Belo Horizonte: Itatiaia, 1987. (Obras folclóricas de Leonardo Mota, V. 1)
CURRAN, Mark. História do Brasil em cordel. 2 ed. São Paulo: EDUSP, 2001.
LITERATURA POPULAR EM VERSO. Estudos. Tomo I. Rio de Janeiro: Casa de Rui Barbosa, 1973. (Coleção de textos da Língua Portuguesa moderna)
LUNA, Luiz. Lampião e seus cabras. Rio de Janeiro: Livros do Mundo Inteiro, 1972.
LUYTEN, Joseph M. A notícia na literatura de cordel. São Paulo: estação Liberdade, 1992.
__________. O que é literatura popular. 2 ed. Sã o Paulo: Brasiliense, 1984. (Primeiros passos, V. 98)
LUZ, Zé da. Brasil caboclo. 6 ed. João Pessoa: Acauã, s.d.
ROMERO, Silvio. Estudos sobre a poesia popular do Brasil. 2 ed. Petrópolis: Vozes, 1977. (Dimensões do Brasil).
__________. História da literatura brasileira. Rio de Janeiro: José Olympio, 1980. Vol. 2, 3 e 4.
SILVA, Anazildo Vasconcelos da. Semiotização literária do discurso. Rio de Janeiro: Elo, 1984.
VICENTE, Zé. Combate e morte de "Lampião". In: Zé Vicente: poeta popular paraense. São Paulo: Hedra, 2000. (Biblioteca de Cordel).
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Aderaldo Luciano Mestre em Ciência da Literatura e pesquisador da Universidade Federal do Rio de Janeiro

Postado em:
http://www.apropucsp.org.br/apropuc/index.php/revista-cultura-critica/31-edicao-no06/252-literatura-de-cordel-literatura-brasileira

sábado, 23 de abril de 2011

Mistérios e proezas do Cordel.

Foto (única)
Avó: Maria Francisca da Silva, (Sá Maria)
Nascida em:
Macaúbas, Bahia, em 15 de maio de 1905,
Filha de: João Pereira da Silva e Maria Francisca da Silva.
Casada com: Manoel Gonçalves de Araujo,
Nascido em: Remédios, Bahia, em 19 de fevereiro de 1891,
Filho de: José Joaquim de Oliveira e Maria Rosa da Luz. (Bisavós)
Filhos de Sá Maria: Eliza, Maria Francisca (Dodó), Antonio, José, Ana, Joaquim, Otávio e Auzelita.
Vivos somente: Ana e Otávio.
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Depoimento do neto Josué Gonçalves de Araujo, escritor cordelista da Editora Luzeiro:
Sá Maria
, assim era conhecida a minha avó Maria Francisca da Silva. Teve papel relevante na minha vida literária e provavelmente no meu destino. Foi ela quem, numa noite de lua luminosa, quando ainda não havia energia na cidadela, contou a primeira história de Cordel para nós, que embevecidos, sentados no chão do terreiro, ouvia em silêncio. Acredito que só eu tenha gravado profundamente na alma, as emoções daquele instante mágico. Garoto de apenas 6 anos de idade, não conseguiu dormir naquela noite sonhando com todo aquele cenário de gigantes e heróis valentes e um linguajar estranho – em versos. Hoje sou um escritor cordelista da tradicional Editora Luzeiro Ltda, de onde saiu a história que ela nos contou: "A história do valente João Acaba-mundo e a serpente negra" de Minelvino Francisco da Silva que, coincidentemente residia em Itabuna-BA, onde morava uma filha da minha Avó. Todas as outras histórias contadas por ela estão lá nos livretos, alguns com páginas acidificadas ou manchadas pela ação do tempo, na editora.
Vale lembrar que a minha Avó era analfabeta, mas de tanto ouvir desde criança, as histórias dos livretos de cordel, ela tinha decorado tudo na memória. Influenciada por ela ou provocado pela magia do cordel que ela recitava em versos, passei a amar os livros e me tornar um escritor de cordel. Na primeira história do cordel eu encontrei um portal para um mundo virtual, onde tudo era possível. Onde eu teria ou poderia ser tudo o que não era no mundo real, da seca, da miséria, dos espinhos das lavouras em tempos de colheitas, dos sacrilégios da vida de bóia-fria no Pontal do Paranapanema. Assim era a força desse gênero da literatura em versos e rimas que alfabetizou muito nordestino que ansiava pelo saber. Os cientistas dizem que: “... a natureza sempre dá um jeitinho”, bem assim foi o nordestino diante das dificuldades da sobrevivência: sempre encontrou um beco, um atalho, uma trilha, um jeitinho, pois, de onde deveria vir o suprimento das necessidades básicas, não vinham nunca. Escola e recursos sociais e culturais, o governo, os políticos e os coronéis negligenciavam por conveniência.
O Cordel cumpriu o seu papel. Uma literatura em linguagem fácil, metrificada, rimada, versificada de fácil assimilação pelo povo nordestino do sertão carente dos recursos do conhecimento cultural das grandes cidades. Os escritores cordelistas da geração atual, luta pelo reconhecimento da supremacia desse gênero literário, que sempre ficou a margem da elite da literatura dita erudita, oficial, em razão do preconceito?
Sou eternamente grato a minha avó Sá Maria. Inspirado nela eu escrevi o meu primeiro romance em prosa com 187 páginas: “O mistério da Bruxa de Areia Dourada” onde a personagem "Nhá Maria" é a grande guerreira até depois de sua morte. Um dia vou transformá-lo em cordel. Esse romance deverá aparecer mais com o diferencial, “Em Cordel”.
Ainda sobre essa guerreira:
Sá Maria ganhou do seu padrinho, uma bezerra que ainda estava na barriga da mãe. Com essa bezerra ela fez uma boiada. Os bois foram criados soltos nas caatingas do sertão sem cercas de arame farpado e perambulavam pelo terreiro da casa como se fossem cachorros ou porcos domésticos. Quando os filhos de Sá Maria se largaram no mundo, engrossando as filas dos migrantes da seca, ela vendeu a boiada e partiu para o oeste do estado de São Paulo a busca dos filhos. Comprou uma casa com um grande quintal cercado de balaustres de madeira, bem na cidadezinha de Mirante do Paranapanema. Criou galinhas, cultivou uma horta e era a melhor saboeira da cidade. Fazia o melhor sabão de sebo e soda. Vendia as suas verduras, os frangos e o sabão para os moradores e para as mulheres do bordel, na periferia da cidade. Sá Maria, minha avó sempre foi auto-suficiente. Ela, não lia com os olhos, não escrevia com as mãos, mas usou os ouvidos para assimilar aquela forma de literatura, única fonte de cultura e conhecimento, possível. Dessa forma se tornou a minha primeira professora de literatura popular (oral), quando eu ainda não sabia ler e nem escrever.

domingo, 6 de fevereiro de 2011

Minhas poesias

Despedida do Poeta
Josué G. Araujo

Não repetiriam tal imprudência,
Dante, Dumas e Shakspeare.
Tudo se perde na dormência.

Romeu e Julieta, A Dama das Camélias,
E a Divina Comédia...
Outro Teatro? Talvez.
Para onde vamos? Quem sabe?
Justa causa irrevogavelmente.

O que se fecha é a porta.
Razões? Não importa.
A demissão é imperdoável.
Todos fracassam em cena.
O final é sempre um litígio,
As lágrimas não compram
Valor e prestígio.

Vivendo e vendendo ilusão,
Imperfeitos, tal qual, marionetes,
Artistas naturalmente sem opção,
No palco do mundo somos interpretes.

A vida é um drama em eterna atuação.
A direção, só a saudade conhece.
O coração voa nas asas da imaginação,
Descerrando as cortinas da mente.
Fecham-se as janelas da alma.

Josué de Nazaré e o Cordel: Minha vida cordelista

Josué de Nazaré e o Cordel: Minha vida cordelista: "O meu nome é Josué.Sou filho de nordestino,Escrever é o meu prazer.Foi assim desde menino.Minha avó sempre dizia:Se tu amas a poesia,Trovado..."