sábado, 28 de fevereiro de 2009

Contos do livro "Apagando as Pegadas"


"Apagando as pegadas" - (primeiro conto)

Numa tarde nebulosa de inverno, um ônibus vence o nevoeiro e estaciona na rodoviária da pequena cidade de Areia Dourada. Um passageiro com passos curtos e pesados desembarca. Negro de estatura alta, trajando um terno cinza e na cabeça um chapéu de feltro de abas curtas que protegia os olhos da neblina gelada. Apoiando-se numa bengala com uma das mãos, usou a outra para retirar um lenço branco do bolso do paletó. Olhou na direção do ponto de táxi à sua frente, franzindo as rugas do sobrolho. Pressionou lentamente o lenço na testa, enquanto fechava os olhos para o presente, esquadrinhando as imagens do passado.
“Rememora a cidade com suas ruas de terra e muitas crianças brincando sob olhares alegres dos pais, nas portas e nas janelas das casas em madeira; lavradores com carroças e peões montados em cavalos numa rotina campestre; o ponto de charretes em frente...” Abre os olhos e se vê ali, no mesmo cenário do passado, mas em outra dimensão do tempo.
O lenço deslizou pelas faces enxugando as gotículas da neblina, acentuando o brilho da pele lisa e sedosa, que resistiu às hostilidades do tempo por mais de setenta invernos, revelando a superioridade da pigmentação que forma a tez escura.
O motorista solícito abriu a porta do táxi: – Permita-me uma observação, mas o senhor é o primeiro passageiro que se refere a essa praça pelo seu antigo nome. - O táxi partiu rodando sobre o asfalto em direção ao sul da cidade, e o passageiro sentiu a aragem fria gelar a sua pela. Outrora os cascos de um cavalo estariam batendo na terra seca e uma charrete de capota conversível deslizando suavemente, com visão ampla permitindo o vento irreverente soprar-lhe, suavemente, as faces.
- Está me dizendo que não existe mais a Praça Erva de Passarinho, meu jovem?
- A praça é a mesma, senhor, mas, quando eu nasci, ela já havia mudado de nome.
- Quantos anos têm?
- Dezenove anos, senhor.
- Dezenove anos! – O passageiro voltou a mergulhar em suas recordações - era a sua idade quando partiu dessa cidade. Faz muito tempo... Mais de meio século e, ainda ignorando as regras do tempo, o passado insiste em se manter vivo, como sombra embotando o presente. Usa-o como hospedeiro, semelhante a uma orquídea que vive parasitando no tronco de alguma árvore. Lembranças fortes que não se apagam na memória; lembranças imortais? O rastro do tempo permanece na memória; um rastro com pegadas tão profundas que nem mesmo a areia soprada pelas tempestades, durante meio século, conseguiu cobri-las. Quiçá, retornando ao ponto de partida, pisando em cada pegada, possa transformá-las em novas pegadas, menos profundas, tão rasas que a areia do tempo poderá apagá-las!
- Chegamos, senhor! Essa é a antiga Praça Erva de Passarinho.
Uma antiga pracinha, com plantas arbustivas, transformada pelo tempo em uma floresta de gigantescas arvores e palmeiras, que espanam as nuvens do céu com suas folhas. Casais de adolescentes poderiam se ocultar em suas entranhas e namorar, dispensando as regras do antigo romantismo. O táxi foi dispensado e com mais alguns passos, eis que surge, no centro da praça, o marco inicial da sua jornada. O lugar é o mesmo, mas a madeira do banco foi transformada em mármore. Sentou-se, pesadamente. Saudades, nostalgia, emoções e lembranças vivas afloraram aos turbilhões das vísceras do cérebro, atingindo as fibras do coração, semelhantes a descargas de eletricidades atmosféricas. A bengala rolou do assento do banco; o chapéu foi retirado, exibindo a abóbada craniana revestida, externamente, por um tapete de lãs de algodão, branquinhas, branquinhas...
Seria ilusão acreditar que tudo continua existindo em nós, porque o cérebro registra os efetivos eventos do tempo, nas páginas da memória? A memória é a estrada do passado e as pegadas são as lembranças. O coração resistiu a todas as batalhas, porque, como um guerreiro, empunhou a sua espada com a inabalável esperança de vencê-las. A roda da vida completou mais um círculo. A mão negra sem manchas apertou o peito para acalmar a procela do coração. As lágrimas que se mesclavam com as gotículas da neblina eram enxugadas com o lenço branco. Além dos limites da praça, o nevoeiro não permitia a visibilidade. Uma figura feminina com a espinha dorsal curvada pelo avançado do tempo empunhava a sua bengala, rompendo o nevoeiro em direção ao centro da praça.
Apoiou-se na bengala para sentar na outra ponta do banco com extremo esforço. A bengala escapou-lhe das mãos, rolando para se juntar a outra. Um tempinho para respirar e recompor-se, antes de cumprimentar, com muita suavidade na voz, o eventual parceiro de banco. A simpática personagem tinha as faces esborrifadas com pintas escuras, realçando a tristeza dos olhos emboscados por vultosas espirais de rugas, espelhando a medida do tempo. Cabelos ralos tingidos na cor castanha em sintonia com o tom avermelhado dos seus lábios finos.
- Conheço todas as pessoas dessa cidade, mas não me lembro do senhor. A poeira do tempo embota a memória da gente e...
- Sou um forasteiro que retornou ao cenário do passado para varrer as suas pegadas.
- Não se apaga o próprio rastro, se continuas a caminhar!
O velho ergueu o olhar para os céus, jazendo em silêncio como se buscasse um alento para responder a essa questão, mas a delicada velhinha quebrou o silêncio. – Conte-me sua história, afinal, somos parceiros da mesma estrada.
Tomado de súbito, procurou refletir rápido – “contar a minha vida para uma estranha?” - Mas a essa altura, não faria nenhum sentido temer a exposição da sua vida. No final da estrada, o que resta para temer é o incógnito da passagem dos portais.
- Vou lhe contar a minha história, cara senhora – respirou fundo e começou a falar com voz rouca. – Apaixonei-me na adolescência por uma garota de pele branca; tão branca como a neve. Era final da década de quarenta e eu era um novo morador da cidade. No primeiro dia na escola, topei com uma garota. Topei mesmo! Estava correndo para ir ao banheiro do outro lado do pátio e inesperadamente esbarrei-me nela; voaram cadernos e livros para todos os lados. Ficamos agachados por segundos eternos; olhos nos olhos, e mais tarde descobrimos que éramos colegas de classe. A professora pediu para formarmos grupos de dois e, para surpresa minha, ela escolheu-me... eu sabia que, do contrário, ficaria sobrando. Ninguém iria se interessar em ser parceiro de um forasteiro negro. Durante um longo período, só ela se comunicava comigo. Mantivemos estreita amizade durante um ano, mas estava difícil conservar molhado o pavio daquela bomba. Estudávamos e fazíamos trabalhos escolares juntos, inclusive na casa dela. Aqueles eram tempos difíceis para tudo o que se referia a relacionamentos de homem e mulher. Moças virgens só saiam de suas casas acompanhadas por parentes ou por damas de companhia. Uma tarde eu proseava com duas colegas da escola, aqui mesmo, nesse banco, e de repente, as garotas se levantaram e se despediram. Logo entendi a pressa das colegas. A minha paixão platônica estava chegando da escola de datilografia, sem a habitual dama de companhia.
- O que elas queriam? Por que esse repentino interesse por você? Agora passaram a fazer-lhe a corte? Qual a intenção de todo esse assédio, por parte delas? Sabia que elas se referem a você como “o deus grego bronzeado pelo sol da manhã”?
Enquanto ela tomava fôlego, usei de um pouco de audácia: - Você está com ciúme?
- Eu? Com ciúme de você? – ela baixou os olhos. - Estou sim.
- Por quê?
- Oras, por quê! Por quê! Por quê? Eu estou apaixonada por você, há bastante tempo, se você não percebeu ainda, é porque é um cego – ela esfregou as faces com as mãos, com certo nervosismo.
- Então somos os dois cegos, meu amor! Eu amo você há muito mais tempo. Eu a amo desde aquele nosso esbarrão, providencial, no pátio da escola – enquanto me declarava, ela permanecia muda com o olhar fixo nos meus, até que aconteceu o nosso primeiro e único beijo. Ela sorria e chorava, simultaneamente, enxugando as lágrimas com as costas das mãos trêmulas pela emoção. Eu temia que tudo não passasse de um maravilhoso sonho, e foi ela mesma quem deu o alerta da realidade.
- Meu querido! E agora? Os meus pais jamais permitirão o nosso amor!
O simples pensamento de perdê-la deixava-me em pânico; e eu tinha todos os motivos do mundo para me apavorar: um negro pobre apaixonado por uma garota branca, filha de um rico fazendeiro, cuja esposa, bela e elegante, sonhava com badalações e frivolidades das rodas sociais, em alguma metrópole. Aventamos a possibilidade de uma fuga; fugirmos para bem longe, mas reconhecemos que essa idéia louca não era viável, pois eu não possuía recursos para executá-la. Longe dessas preocupações, a vida se tornava, a cada dia, vibrante e bela em demasia. O fotógrafo do jardim registrou um dos nossos momentos, sentados no banco de mãos dadas. Ela se apossou da foto como se fosse uma relíquia.
Guardamos o nosso amor com todo zelo, por um ano, mas o destino tem as suas regras e limites de tempo para cada lance no jogo da vida. Recebi uma carta dela relatando a violação da sua privacidade pela mãe. Enquanto dormia, esta lera todo o seu diário, tomando conhecimento de toda a história do nosso amor. A mãe relatou tudo ao marido e ambos ficaram tão chocados que providenciaram, imediatamente, a venda de tudo que possuíam na região. Iriam se mudar para outro estado, onde eram proprietários de outras fazendas. Nos trechos da carta, percebia-se toda a sua agonia: “Meu amor, foi horrível! Não vejo salvação para o nosso amor. Estou desesperançada e injuriada. Eles bradaram aos quatro cantos do mundo as suas falsas e vergonhosas verdades, como argumentos para justificar a rejeição do nosso amor. Não tiveram o mínimo respeito pelos meus sentimentos – vejam essas palavras horríveis, pronunciadas pelo meu pai: ‘Você não pensou que eu conceberia a idéia de aceitar um genro que, além de não ter onde cair morto, é um negro? Eu jamais terei um bastardo mulato como neto. A pobreza é uma mancha escura na pele que pode ser dourada com o brilho do ouro, mas a negritude do sangue é incurável.’ Decidiram que eu vou à Capital com a minha mãe para tratar do meu futuro – casar com o filho do meu padrinho, um rapaz que eu não suporto.”
Ao término da leitura, chorei como criança, sentindo-me impotente e acuado como uma fera enjaulada. Blasfemei contra Deus por não ter previsto todos os sofrimentos oriundos dessa heterogeneidade de cores da pele, de raça, de níveis sociais, dessas diferenças criadas pela incongruência humana. No dia seguinte soube que ela estava na rodoviária acompanhada da mãe, prontas para embarcarem. Que desespero! Sai correndo alucinadamente pelas ruas na direção da rodoviária, chegando no momento em que o ônibus estava partindo. Corri gritando como um insano ao lado da janela, despojado de todos os meus brios: Lucineide... Lucineide, meu amor!
Ela colocou a cabeça para fora da janela e eu a vi em prantos. Jogou pela janela a metade da nossa foto, a parte em que ela aparecia. Fiquei com a foto nas mãos, vendo o ônibus desaparecer na poeira levantada do areão da estrada. Nunca mais me separei desse pedaço de foto. Algum tempo depois, os meus pais decidiram partir para a Capital de São Paulo, pois não suportavam mais assistir à minha tristeza. “Talvez em outra cidade ele possa esquecê-la e retomar a sua vida.” Esquecê-la foi a única coisa que eu jamais consegui. Formei-me em direito e montei o meu escritório. De dia o advogado e à noite o boêmio. Precisava alegrar a minha vida, mas logo entendi que a boemia é o refúgio dos espíritos atormentados pela solidão. Mais e mais solidão era o que eu encontrava todas as noites nos bares da noite. Livrei-me dessa vida estúrdia e passei a preencher o tempo estúpido da minha existência entre o trabalho, os livros, as meditações e a cama, onde dormir era morrer todas as noites, para renascer nas manhãs, sem ser consultado. O trabalho era a única atividade que me prendia ao presente; os livros eram naves que me transportavam para todo o universo, à velocidade do pensamento; as meditações me transladavam para o passado, e a cama era a morte em fragmentos. Mais de meio século improfícuo e eu decidi retornar pelo caminho das pegadas. Agora que estou aqui, não sei o que fazer.
A parceira do banco estava em lágrimas. Puxou o ar com esforço, como se aspirasse mais uma lufada adicional de vida, antes de começar a falar com voz nostálgica.
- Na minha adolescência, eu também renunciei a um grande amor; um amor impossível. Parti para bem longe e me casaria com outro, se ele não tivesse morrido antes do enlace matrimonial. Um jovem muito arrogante que, quando estava alcoolizado, se metia em brigas de botecos, onde puseram um fim à sua vida. A morte daquele que poderia ter sido o meu marido alertou-me para o verdadeiro significado da vida. Renunciei à minha família e voltei a essa cidade, na esperança de reencontrar o meu amor. Alguém me informou que o meu amado havia partido para algum lugar desconhecido. Nunca senti tamanha angústia na minha vida. Tornei-me professora na escola da cidade e durante todos os dias desses anos vim a esse banco, na esperança de encontrá-lo – a velhinha retirou da bolsa metade de uma foto amarelada pela ação do tempo e juntou a outra metade que estava nas mãos do seu parceiro ao lado. As lágrimas rolavam dos olhos e a emoção era avassalante para o seu velho coração.
- Eu sou a sua Lucineide, meu amor! José Mário, meu querido, eu sempre te amei, jamais te esqueci e sempre te esperei. Todos esses anos eu estive aqui... à sua... espera.
José Mário olhava as duas metades da foto, unidas, se completando na foto original. Duas lágrimas caíram, se espalhando sobre a foto. Voltou-se para a sua parceira ao lado, procurando o seu olhar. Reconheceu aqueles olhos amados e jamais esquecidos. Mentalmente fez uma oração: “Perdoe meu Deus, por ter sido um dia, um blasfemo. Obrigado por devolvê-la a mim, no momento de nossa partida final.”
Seus lábios se uniram levemente pela segunda e última vez. – Lucineide, meu amor, perdoe-me por tê-la feito esperar, tanto tempo.
- Não se preocupe querido, agora temos uma eternidade para ficarmos juntos. No céu os espíritos não têm cor, raça e desconhecem o brilho enganoso do ouro.
Lucineide encostou a cabeça no ombro de José Mário e fechou os olhos. Ele apertou o coração com a mão e encostou a sua cabeça sobre a cabeça dela.
Na manhã seguinte, o vigia do jardim encontrou-os na mesma posição, com os corpos orvalhados, e os raios do sol cintilando em cada gota de orvalho.

Josué Gonçalves de Araujo

domingo, 1 de fevereiro de 2009

Crônica do livro - Apagando as pegadas

(Em 27 de outubro de 2002, aos 57 anos de idade, com quase 53 milhões de votos, Luiz Inácio Lula da Silva é eleito Presidente da República Federativa do Brasil. Esse artigo (abaixo) foi publicado no editorial do Jornal “Destaque News”, da região de Tietê, 13 dias depois).

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Help Tupy-Caetés (Josué G. de Araújo)

Quem nunca sonhou com a pátria amada, amada e cantada em coro, por todos os brasileiros?
“...Ó pátria amada, idolatrada, salve! Salve!”
São poucas as oportunidades para celebrar festas cívicas, ou extravasar sentimentos patrióticos. Mas, finalmente, estamos vivendo um momento oportuno. Algo novo aconteceu na política; não uma política nova, pois, sabemos que a política é mais velha que a própria humanidade. O primeiro ato político de que se tem notícia ocorreu quando da rebelião dos anjos, época em que ainda não havia sido gerado o primeiro filho na terra. O pavio da explosão demográfica não havia sido aceso. Um dos mais poderosos e inteligentes dos anjos, Lúcifer, liderou a terça parte dos soldados angelicais, objetivando destronar o Criador. Houve guerra, mas os anjos rebeldes foram derrotados e expulsos dos céus. A política, também, foi a causa do primeiro assassinato humano. Segundo a Bíblia, Caim matou Abel em uma disputa de influência, pois ambos queriam agradar a Deus. A existência de um ser humano é precedida por uma guerra de milhões de espermatozóides, na disputa por um óvulo. Após o nascimento, a política continua na luta pela sobrevivência; sobrevivência da própria vida, a qual, dela, nós não temos consciência de nada, nem mesmo se optamos por aceitá-la. Mas o fato é que, até sonhando, fazemos política. A política sempre foi usada como um instrumento do bem e do mal. Sonhamos com o que de melhor ela pode nos proporcionar, mas o fato de a maioria dos nossos sonhos se transformarem em pesadelos não nos impede de continuar sonhando. Conclusão, os ares do Brasil, com o oxigênio renovado, fizeram-me sonhar novamente: noite escura e a selva em silêncio; ao redor das fogueiras, concentravam-se os brasilíndios, cansados e céticos; de repente, de dentro da pequena oca, saiu o Pajé Caeté, limpando a garganta. Todas as atenções se voltaram para ele, quando começou a falar: - Companheiros, que ninguém jamais duvide da classe trabalhadora.
Duas lágrimas cintilantes, refletindo o brilho das fogueiras, escapavam de suas “retinas fadigadas”. E das lágrimas, surgiram dois colibris; um deles, com penas de cor verde-esperança, e o outro de cor vermelho-fogo transformador; ambos desafiavam a lei da gravidade, ora voando para trás, ora pairando no ar e, depois, investindo sobre os companheiros. Tão rápido surgiram, tão rápido sumiram. A mensagem ficou no ar. Um grito quebrou o encanto – Lula lá!!! - Ouviram da Paulista, nas calçadas, de um povo bem cansado, um brado retumbante: Lula lá. Rufaram os tambores. Os dançarinos iniciaram os seus rituais... Lula lá, Lula lá... Foi demais. Eu me deixei contagiar; sonhei novamente, afinal, eu sou humano! Prova disso era aquele nó sufocante na garganta; acontece sempre que eu sonho; e para completar, entoaram também aquele hino nacional para arrebentar o meu peito. Lembro ainda que isso só acontecia momentos antes de entrar na sala de aula, quando eu estudava na escola primária. Lembro-me bem! Todos em fila com a mão direita no coração, - “... iluminado sol do novo mundo”. Novo mundo, ou novo Brasil? Sabíamos o hino na ponta da língua. Bem ao longe, os pais, despreocupados, podiam ouvir aquele coro infantil; aquelas vozes angelicais, cheias de orgulho e esperança; crianças transbordando de sentimento patriótico acreditavam no que os professores costumavam repetir - “As crianças de hoje, serão os homens de amanhã”, aliás, frase que não se ouve mais. Será que os mestres não têm mais certeza do futuro dos seus pupilos? Bem, eu cheguei ao futuro do passado! Sou homem do futuro, ou melhor, de hoje. O hino agora é mais curto. Fácil. Afinal, não temos tanto patriotismo como antigamente. Lula lá. Brilha uma estrela... Lula lá. Letra escrita na linguagem Tupy-Caetés. Lula lá, quer dizer, Pajé na grande Taba.
Sim. Voltei a sonhar, mas quando vi nos olhos da namoradinha do Brasil, o tamanho do medo de ser feliz, suspirei fundo. Pensando bem, acho melhor apelar para o grande Tupã; ao conselho dos ancestrais, se não fizer bem, mal é que não vai fazer, mas, é providencial rogar a eles que protejam o Pajé Caetés, afastando-o das tentações, e livrem-no do assédio dos Caruanas nacionais de más intenções; que o Pajé lembre sempre que a nossa dança não deve se restringir aos salões do Congresso, em devaneios ao som das valsas, e sim, ao som dos atabaques, nas entranhas das florestas ao redor das fogueiras; dançando, cantando, gritando, suando o corpo e machucando a sola dos pés, clamando obviamente aos bons espíritos que afugentem todos os maus espíritos, inclusive, os piratas europeus, dos “MULTI’s”, dos “YE´S” e “OK’s”, discípulos do DRÁCULA, que insistem em explorar as cavernas desprotegidas do “Brazil”, ou melhor, do BRASIL; que apesar de ele ter substituído a sua tanga pelo terno, e o colar de dentes de javali pela gravata de seda importada, jamais deixe de falar a língua Tupy-Caetés. A língua que todos nós entendemos; que esse novo hino, Lula lá, não se transforme em um samba popular de “lara lara”, “pizza lá” e outros “laiás, laiás”; que a fumaça sem óxido do cachimbo do Pajé Caeté possa ser o antídoto que eliminará todos os óxidos nocivos que poluem os ares brasileiros dos brasilíndios, que hoje vivem asilados em seu próprio país; e por último, que não me despertem desse sonho, pois não tenho mais cartas nas mangas, e esse é o meu último sonho, sem medo de ser feliz.